De novo aqui. Sozinha. Numa noite de céu escuro. Lembrando de todas as vezes que fiquei a ouvir-te dizendo o nome de cada estrela. E pensando. Pensando nas diferenças do céu de agora pro céu daqueles dias. Porque o céu muda com as estações do ano. A minha vida mudou com as estações. Só o que não mudou foi esse ódio sem sentido que nutro aqui dentro a partir d'um amor sem razão que nem mesmo sei de onde tiro.
Ódio. Pode-se dizer que é tudo que sinto agora. Porque ele tomou o lugar de tudo, da alegria de ver os amigos, da paz de ter uma casa com uma família, do sono que se sente ao deitar numa cama confortável, do apetite que se sente quando se está olhando para uma mesa farta e até da saudade de pensar no passado longínquo onde sentia-se tudo isso que falei.
Mas está tudo bem. Não, não está. Mas ficará. Pois agora já é o final de dezembro e um novo ano se aproxima junto com um novo estilo de vida marcado por mudança de lugares e pessoas. E nessa época de natal ninguém pensa nas inconstâncias da vida. Só eu. Mas não haverá com quem falar sobre, pois todos estarão pensando na confraternização e nos presentes, então, talvez, com sorte, alguém possa me distrair dos pensamentos de ti.
E quero deixar claro, esforçar-me-ei para que o façam, que já não aguento mais esses pensamentos me torturando sem fim nessa dor do que deixou de ser sem jamais ter sido. Porque essa relação só existiu na minha mente. No mundo real, tu só estavas curtindo o momento e eu me consolando de outro amor que não deu certo, nessa enorme roda viva que faço questão de criar pra ficar sempre girando entre todos os homens da minha vida e não ter que me sentir sozinha como agora, que tu provocaste uma pane no mecanismo da roda e eu fui forçada a admitir que realmente não há alguém ao meu lado.
Há quem diga que eu deveria ser grata a ti por expor-me a mim mesma, assim posso assumir o que sou, como sou e como estou e parar de viver numa mentira, mas eu não posso ser grata. Como disse, tudo que sinto é ódio. Mas isso também é compreensível, todos sabem que ninguém gosta de ver a verdade de sua própria vida e é um ato cruel forçar alguém a vê-la. Então meu ódio é justificável, aceitável. Então, não julgues, não tens direito. Ninguém tem.
Enfim, tudo vai se acertar, porque vou mudar não só minha vida nesse ano que vem vindo. Vou mudar meu modo de lembrar de ti. Vou esquecer a tua face, vou esquecer a tua voz, vou esquecer o teu talento. Vou parar de reconhecer teus gestos em mãos estranhas e tuas feições em rostos diferentes. Vou mudar a mim. Eu não mais existirei.
Aí, quem sabe, de repente, já se possa dizer que não existe mais esse "eu" que tanto te venera, que tanto pensa em ti e que tanto sente a tua falta. Aí, eu poderei dizer que sou uma nova mulher, com novos gostos e que superou a droga da música clássica que tu tocas tão bem no teu violão chinfrim e esqueceu a maldita calma que tu exalas por todos os poros do teu corpo e que não mais sente necessidade tamanha de ser próxima de ti que para dar vazão a essa até utiliza o português de modo incomum e aceita a regra que diz que a segunda pessoa do singular é para tratamento pessoal, íntimo.