domingo, 3 de outubro de 2010

Saber o que é viver

Hoje um amigo me disse que, dentre todas as pessoas que ele conhece, eu sou a que menos precisa de terapia porque eu sei o que é viver. Porque já passei por muitas experiências. Porque não sou como ele, frio e calculista ao ponto de sentir uma dor profunda e não derramar lágrima.

Algo me impediu na hora, mas eu queria ter dito que poder chorar é uma merda. Que ter as lembranças que tenho é uma merda. Que não poder dormir sem uma dose cavalar de remédio é uma merda. Que se destruir quando algo chega ao fim é uma merda. Que saber viver é a pior coisa que existe porque a vida é uma merda. Queria ter dito o quanto eu daria pra ser como ele.

Ele disse que meu emocional é lindo. Queria ter dito o quão lindas são as fotos das pessoas mortas, as paisagens em preto-e-branco que lembram morte, os textos que algumas pessoas escrevem pra falar dum amor antigo ou de alguém que se foi. Ser lindo não torna nada melhor ou mais feliz. Mas ele acha certo ser assim.

Segundo ele, a tristeza vai passar quando eu encontrar alguém que seja o meu alguém, quando eu me entregar a esse alguém, mas que tenho que dar tempo pra que as coisas possam acontecer. Queria ter podido explicar que quando se é como eu sou, fazer isso é uma tortura maior do que ver meu mundo destrído, em ruínas, cada vez que algo dá errado.

Ainda que eu não concorde com o que ele me falou, jamais deixarei ser grata pela preocupação que ele demonstrou ter comigo. Que agora ele é o meu melhor amigo. Que passei a admirá-lo tanto que vou tentar mudar o meu olhar só pra concordar com ele e sermos iguais em algum ponto. Agora, vou tentar ver tudo que antes eu via em mim como defeito dum jeito melhor, pra não ter que fazê-lo me ver triste de novo porque a cada coisa que acontecer, eu vou pensar nele e dizer à mim mesma que é melhor assim, vou pôr um sorriso verdadeiro no rosto a qualquer custo e agradecer-lhe por tudo.

Meu amigo, nunca mais te livrarás de mim. E mais que nunca seguirei teus conselhos. Tens meu carinho eterno. E, se me permites, pasar-te-ei a chamar irmão.

Psicológico

Lágrimas cristalizadas no meu rosto eternizam em mim uma expressão morta. E aquele que quiser, um dia, desfazer essa feição, deve saber que ela nunca sairá completamente e que antes de tentar deve ter certeza da vontade, pois no momento em que essa máscara de tristeza se desfizer num sorriso, não haverá volta.

Minha psquiatra diz que essa minha resolução é psicológica, que estou doente e que aquela pilha de remédios que ela me receita vai acabar com isso, mas eu não acredito porque cada vez que eu tomo uma pílula daquela eu me sinto um pouco mais morta por dentro. E ela não é capaz de me dar motivos pr'essa doença.

Mas quem me vê sentada no chão, na porta da sala de aula, olhando o corredor com esperança de te ver passar concorda com ela.
É psicológico, me dizem.
Solidão não é uma escolha, eu respondo.
Sei que a psicologia não diz ser uma decisão o entrar em depressão, mas diz que é o sair dela. Se dependesse só da minha vontade, eu não estaria assim.

Irritam-me aqueles que me julgam como alguém que só quer chamar atenção. O caso é exatamente o oposto: quero não ser percebida como coisa que precisa de conserto. Quero que alguém, pelo menos uma só pessoa, perceba que há uma pessoa por baixo da lágrima de cristal que sente a tua falta.

Mas aí vem o psicólogo, me dizendo que esse querer é psicológico, que eu mesma projeto a imagem de objeto em mim. Queria ter palavras para dizer a ele que só um louco faria isso, que isso corrói aos poucos numa dor profunda. Vem ele e diz que tudo é psicológico.
Saudade é psicológico.
Querer-te é psicológico.
Solidão é psicológico.
Ter a carne desfeita é psicológico.

Mas tudo isso é amor.
E não há quem me convença que amor é psicológico.

Lágrimas sofridas

Ó, minha menina bonitinha, eu te dei
Todo o meu carinho, meu aninho, eu te dei
Verdes campos, flores, amarelos, furta-cor
Dei a primavera, os sete mares, meu amor

Lágrimas sofridas e feridas do meu peito
Dei minha palavra, minha honra, meu respeito
Todas as verdades e olhares que podia
É com qual coragem que você me repudia?

Ó, minha menina bonitinha, eu te dei
Vida de princesa, realeza, eu te dei
No meu ombro afago preocupado de um amigo
Jóia, casa, carro, seu sapato, seu vestido

Pra você princesa, dediquei a minha vida
Levo desse amor, o seu rancor e uma ferida
Apesar de tudo, minha linda, não te odeio
Mas sem tua boca inclino à morte sem receio

Dei pra ti as estrelas, os peixinhos e as aves
Todas as montanhas, nas escalas, dei as claves
Todas as cancões que eu fiz, eu fiz pra ti princesa
Tudo de mais belo que encontrei na natureza

(Los Hermanos)